Comecei a escrever um livro.
Lembra quando eu falei da cena milagrosa em que a personagem principal do filme tem a ideia brilhante de escrever um livro, pede demissão no trabalho e enche a parede de post-its? Pois bem:
Ainda não pedi demissão, mas me sinto confiante o bastante pra dizer que agora sou uma escritora que está trabalhando em seu primeiro livro e gostaria de usar esse espaço para compartilhar o meu processo de criação justamente pra não alimentar o mito da musa inspiradora. Confesso que não é a primeira vez em que abro um arquivo, chamo ele de Livro e imagino todas as entrevistas e sessões de autógrafo enquanto meu olhar flutua hipnotizado diante da tela do computador. Mas como mulher iludida que sou, sinto que dessa vez é diferente.
Acontece que agora eu ocupo um lugar onde se encontram três condições que julgo favoráveis: tempo, dinheiro e maturidade. Até hoje eu não conseguia imaginar uma história que valesse a pena ser contada, ou não tinha domínio técnica pra fazer uma ideia crescer e se sustentar, mas na maior parte do tempo estava simplesmente cansada e perdida demais na roda de hamster que é a vida adulta. Se o primeiro livro não nasceu antes era pq a escritora ainda estava em formação. Me formei em letras escrevendo ensaios acadêmicos ao invés de crônicas, depois passei dois anos me dedicando a uma pesquisa de mestrado que abriu as portas para o trabalho que tenho hoje e tudo me consumiu por muito tempo. Fora os acontecimentos pessoais e anos de terapia de que eu precisei para abrir espaço no meu coração e enxergar que a coisa mais importante da minha vida tinha se perdido no caminho: escrever.
Engessada na vida acadêmica, mas ainda com leves espasmos criativos comecei a fazer cursos de escrita criativa. Por enquanto foram quatro e essa semana eu começo mais um.
O primeiro deles eu fiz na Esc. e sem dúvida foi o mais importante de todos. Se o destino alterasse qualquer fator na ordem dos cursos realizados o resultado poderia ter sido desastroso. Eu me lembro muito bem da sensação de não querer ir embora depois da primeira aula, de me sentir pertencente em um grupo, reconhecida e receber a validação de que a minha escrita não era um delírio ou um agrado de quem me conhecia. Ali eu tive acesso às ferramentas necessárias para ressignificar minha bagagem teórica (formada em Letras na USP e não sabe escrever um romance????). E o exercício mais importante foi a curadoria do repertório que, por enquanto, ainda é o conteúdo que eu mais tenho compartilhado aqui.
Já no segundo curso da Esc. eu sentia o tempo todo que barreiras se quebravam e meu universo se expandia. Amadureci o olhar sobre a minha escrita e aprendi como aproveitar toda a bagagem teórica da graduação em recursos técnicos. Foi com esse curso também que percebi a importância de cultivar outros interesses para além do que é literatura, por exemplo, bordar e assistir vídeos de visita a atelier de artistas plásticos se tornaram partes importantes do meu processo criativo.
Com esses dois cursos da Esc. eu tinha a estrutura de uma escritora, mas ainda me faltava o recheio. Nessa hora o coletivo Mulheres que Escrevem apareceu no meu feed com outros dois cursos que trouxeram elementos de repertório e exercícios que me desafiaram a fazer mais experimentos com os gêneros textuais e criar diálogos com autoras e temas de mulheres reais e não mais aquela escrita nostálgica e ingênua que me ocupava. Aliás, foi no último exercício desse curso que nasceu o tema do meu primeiro livro.
E por fim, ou quase pq eu já me inscrevi em outro curso, os encontros com a Aline Bei me caíram como o encerramento ideal, pq ele teve um pouco de tudo: desde reforçar a validação de que eu não preciso ter um livro publicado pra saber que sou escritora até o contato com outros repertórios e exercícios de escrita dos quais destaco dois como mais importantes. Aquele de investigação de personagens que resultou em uma surpreendente produção audiovisual e me fez pensar na possibilidade de aulas de teatro pra ajudar na construção de personagens e o outro que foi a criação de um microuniverso que acabou se transformando na organização do meu primeiro livro.
Então dessa vez é diferente pq agora eu tenho uma história pra contar e sei como fazer. Na minha próxima publicação vou explicar como funciona a organização do meu processo criativo e depois começo a compartilhar algumas cenas editadas do livro pq se isso for mesmo uma ilusão, pelo menos fica aqui registrada a minha tentativa.