Verossimilhança

A Leila escreve aqui
3 min readJun 7, 2022

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Deus ex Machina

(lat. /deus ecs máquina/)

loc.subst.

1. Teat. No teatro da antiguidade greco-latina, personagem que interpretava um deus e era introduzido em cena por meio de um mecanismo

2. P.ext. Teat. Solução artificial e forçada, criada para resolver um problema cênico ou dramático

3. Fig. Em ficção, personagem criado de maneira artificiosa, forçada, ger. inverossímil, que surge de repente para resolver um problema ou conflito dramático

São Paulo, 6 de Junho de 2022 — Estação da Sé, 15h

Recebo uma mensagem do meu ex-chefe perguntando se eu poderia falar. Eu estava no metrô, em direção ao trabalho para devolver alguns equipamento na empresa e ao mesmo tempo pensando que meu próximo texto faria alguma relação com ir devolver as coisas para o ex- e as fases do luto.

De manhã minha melhor amiga segurou firme a ponta que cabe a ela na minha rede de apoio e me passava todos os alunos particulares que podia, descrevendo atentamente o perfil de cada um deles e fazendo renascer em mim a vontade de dar aulas. Na sexta eu estava marcado um almoço com outra chefe que prontamente me estendeu a mão assim que ficou sabendo da minha situação.

Depois que devolvesse as coisas da empresa eu iria para o tal café escrever e procurar outro trabalho, devolver as coisas do ex e reinstalar o tinder. Na minha mochila estava o maior bloco de post-it que eu encontrei em casa, fazia parte dos planos espalhar trechos dos meus textos pelo caminho.

Tudo isso passava pela minha cabeça enquanto meu ex-chefe falava algo sobre luzinhas de natal que ligam e desligam.

— Você topa voltar?

— Só se for agora! Mas eu estava a caminho da empresa pra devolver as coisas, o que eu faço agora?

— Faz a baldeação e volta.

Voltei, mas no caminho decidi parar em um café pq o plano era passar a tarde fora de casa pra fazer seja lá o que for e eu não estava em condições de pensar em outro rumo pra minha história. Não me lembro direito o que fiz, mas comi um brigadeiro e voltei pra casa de bicicleta. De tudo o mais que podia me passar pela cabeça, dois pensamentos se revezavam “ainda bem que eu comprei aquele presunto” e “como eu vou explicar isso no blog?”

Ah, como eu queria ter sido essa grande filha da puta marketeira que criou uma situação traumática para começar um grande projeto de escrita autoficcional e assim dar início ao seu primeiro best-seller. A própria escritora de Taubaté. Mas é tudo verdade, inclusive a parte de Taubaté (minha mamãe nasceu lá).

A essa altura meu guardinha imaginário estava enlouquecido virando folhas e mais folhas do seu bloquinho de multas: calúnia e exposição da empresa, comoção de afeto desnecessário dos amigos, revisão de planos para uma vida inteira que serão deixados de lado, um fluxo catártico-criativo que mal começou e agora deve ser interrompido como punição para todo esse transtorno, a condenação que se aproximava da prisão perpétua. Deus ex machina. Eu conto histórias pra mim mesma o tempo pq a própria vida é inverossímil. Demitida na sexta, recontratada na segunda. Coisas assim acontecem o tempo todo, ninguém é o centro do universo, ninguém tem antagonistas, estratégias mudam e decisões são repensadas. Ninguém tem culpa, o guardinha não existe.

Estou feliz, muito feliz. Agradecida, gratidão, gratiluz, obrigada. De coração, sei que esforços foram realizados para que isso acontecesse e vocês podem ter certeza de que eu não escrevo às escondidas. Se eu publico algo que envolve minha vida pessoal, é porque antes eu já falei o que precisava ser dito a quem precisasse ouvir, sempre coisas boas e sempre verdadeiras. Eu não minto, apenas conto histórias.

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A Leila escreve aqui

Gosto de olhar as estrelas e inventar um nome pra cada uma delas.