Sobre linha editorial e histórias que desobedecem
Fato 1: decidi enfrentar minhas inseguranças e voltar a andar de bicicleta.
Fato 2: fui pedalando até o CCSP duas vezes, na primeira voltei a pé e na segunda de metrô
Fato 3: essa história toda me deu uma intenção, não foi ideia, não foi nem inspiração, mas uma intenção. Eu queria escrever um haikai sobre a urgência de ler que me fez voltar pra casa de metrô pq eu não podia esperar pra começar a ler o livro. Entendem?
Diante dos fatos, apresento as duas versões da mesma intenção.
Versão publicada
Os livros.
Tenho urgência de ler.
De falar sobre eles.
E sobretudo.
Tenho urgência de escrevê-los.
Versão que saiu do meu controle, me fez consultar gramáticas, sinônimos e matemáticos, mas que no final eu não publiquei pq não era uma história que eu estava afim de contar
Um arroubo criativo me convenceu da urgência de ler um certo livro. Imediatamente abri o kindle, mas não o encontrei, ele não estava em nenhum cyberespaço que eu pudesse acessar do conforto do meu lar. O único lugar possível para o livro urgente era o biblioteca do CCSP. Geralmente minhas saídas de casa são planejadas com, no mínimo, 48h de antecedência, mas dessa vez não podia esperar. A Deusa Criativa me ordenou a buscar o livro e se Ela não perdoa nem 5 minutos pra sair do chuveiro e buscar um bloco de notas, o que diria de 48h de planejamento logístico.
Acontece que a distância entre meu apartamento e o CCSP é ideal para gerar crises de ansiedade em quem, como eu, tem obsessão por tomar as melhores decisões. Não é uma coisa óbvia. Tanto o ponto de partida quanto o de chegada ficam próximos ao metrô, mas eu andaria apenas uma estação e — pelo meu critério — não é o bastante para gastar um bilhete de ida e volta. Tampouco é próximo o bastante para ir a pé. Peguei a máscara, minha bolsa, chamei o elevador e me obriguei a fazer a escolha pelo transporte até chegar o térreo. Faltou isso aqui pra eu descer os 21 andares pelas escadas. E só não fui correndo até o CCSP pq já tinha trocado o all star branco pelo rosa na hora de me vestir e se tivesse que colocar o tênis de corrida, teria que trocar também a roupa pq não combinaria, mas a Deusa Criativa não pode esperar, lembram?
Era a metade do caminho até a estação do metrô — e consequentemente um dezessete avos do caminho se eu fosse a pé até a biblioteca — quando passei por um bicicletário. Nesse momento a Deusa Criativa que me ordenou a buscar o livro, também me convenceu de que pegar uma bicicleta seria a melhor escolha, afinal minhas pesquisas anteriores mostraram que seguindo pela ciclovia eu levaria metade do tempo indo de metrô e um quarto do tempo indo a pé. E de fato esta seria a melhor decisão, não fosse o fato de que eu não ando de bicicleta há, no mínimo, 20 anos.
Mas se é verdade que Deus protege os bêbados e as crianças, a Deusa protege as escritoras ansiosas e seus ímpetos criativos. Além do mais, andar de bicicleta é o tipo de coisa que a gente não esquece. Todos os ditados me soprando a favor.
Com toda a confiança e desenvoltura de uma pessoa tímida e ansiosa, destravei a bicicleta, subi na guia da calçada pra alcançar o selim e me pus a pedalar.
Péssima ideia, péssima ideia.
- Dá licença!
- Oh moça, esse negócio não tem buzina não?
Trim trim
Péssima ideia, péssima ideia.
Semáforo a frente, mas e se eu frear e não alcançar o chão? Me apoiei na mureta que separa as duas mãos da Rua Vergueiro, desci e fui pra calçada. Eu mal conseguia calcular em qual parte do caminho eu estava, mas continuei empurrando minha derrota até o estacionamento. De pernas bambas, suada e abatida cheguei até a biblioteca que estava fechada, pois era segunda-feira.