Se o universo girasse ao meu redor, eu diria que…

A Leila escreve aqui
4 min readMar 25, 2023

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Hoje é o último dia de um grande ciclo. Esse processo de encerramento começou no final de semana, quando eu escolhi aproveitar a rara combinação de dias livres e ensolarados pra ir ler no parque com direito a lancheira de pic-nic e tudo. Além dos morangos, levei um livro da Virginia Woolf pra me fazer companhia. Eu nunca tinha lido nada dela, um pouco pq quando todo mundo me diz “você tem que ler esse livro” eu digo “claro, claro, vou ler sim”, enquanto salvo a amostra na pasta ‘recomendações’ do kindle e penso “vou ler nada”. E agora com tantas aspas supérfluas, eu preciso me redimir com uma que realmente vale a pena:

“Uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção.” (pg.:8)

Não precisei de ler 10 páginas pra entender pq todo mundo me dizia pra ler um livro publicado em 1929 em Londres que fala diretamente sobre as minhas angústias de 2023 em São Paulo. É claro que algumas coisas mudaram de lá pra cá, por exemplo, enquanto a personagem de Virginia era expulsa dos gramados da universidade por ser mulher, eu estava deitada de bikini no gramado do Parque Augusta rodeada por outras mulheres também elas deitadas no gramado de bikini com seus livros.

A escolha dessa leitura se deu justamente por conta de uma angustiazinha que me rondava: “Se eu tenho o teto, a renda e o tempo pq não estou escrevendo como gostaria?” E para responder à essa questão, vou me propor um exercício parecido com o que fez Virginia e contarei um pouco sobre a minha rotina de mulher que trabalha para bancar as condições de escrever em liberdade.

Meu trabalho é remoto e começa às 9h da manhã, mas geralmente as demandas já estão à minha espera desde às 8h30. Entre mensagens, emails e ppts eu tento encaixar algumas pausas cronometradas no método pomodoro para dar conta de cuidar da casa. Às 18h eu coloco o celular no silencioso, mas ainda faço algumas reuniões depois do horário. Depois de passar o dia todo no meu confortável teto de 40m² decido que é hora de relaxar e movimentar o corpo na academia. Volto pra causa sentindo os efeitos da endorfina, tomo banho e decido o que fazer com um pouco mais das 2h que me restam de descanso. E agora vamos com mais uma citação:

[…] de que períodos alternados de trabalho e descanso elas precisam, não considerando descanso como não fazer nada, e sim como fazer algo, mas algo que seja diferente; e o que seria essa diferença? (pg.:72)

Neste ponto, ela fala sobre as constantes interrupções que atrapalham a concentração da mulher no trabalho literário. As minhas pausas no trabalho para arrumar a casa me ajudam a ordenar os pensamentos, enquanto lavo a louça ou coloco a roupa no varal vou reorganizando a ordem dos slides ou ensaiando o discurso para aquela conversa difícil que preciso ter mais tarde.

Só que ao final do dia, com a casa limpa e a cabeça cansada, eu não consigo pensar em nada pra escrever. Leio e releio rascunhos, edito uma palavra ou outra e quando consigo reencontrar o caminho da minha narrativa já é hora de dormir. Eu poderia escrever aos finais de semana quando o tempo de descanso é maior, mas vejam bem, escrever também é um trabalho e eu gosto de descansar. E eu não tenho vontade de trabalhar no livro quando estou no tempo de descansar do trabalho. De toda forma, eu estava relativamente em paz com esse dilema. Pensei até em programar uma parte do meu período de férias pra escrever com calma e com gosto. Mas isso tudo foi no final de semana e a grande mudança de ciclo que falei pra vocês no início do texto aconteceu na segunda-feira de manhã.

Fui demitida, de novo.

Aparentemente eu faço publicações em blog a cada vez que dispenso um namorado ou sou dispensada do trabalho. Só que dessa vez é diferente (como sempre é) pq agora eu sinto que o universo gira ao meu redor. A demissão aconteceu justamente entre o final de semana em que li Virginia Woolf rodeada por mulheres de bikini no Parque Augusta e o final de semana (amanhã) em que estarei rodeada por mulheres escritoras trabalhando em seus livros. Mulheres e ficção.

Mas além desse alinhamento de planetas, que só eu quero ver como sinais para finalmente ser a protagonista do filme em que a jovem adulta desperta para o seu best-seller-de-estreia-pós-término-ou-demissão. Dessa vez, um ano depois da primeira demissão eu estou lidando com o desemprego de forma mais estratégica. Essa publicação foi escrita uma semana depois do fato, após uma sequências de “checks” na minha lista de tarefas para reorganizar a vida.

Já tenho meios para continuar com o dinheiro e o teto, mas fiz escolhas que priorizassem meu tempo para escrever ao invés do tempo de produtividade, mas prometo que isso ainda vai ser uma conversa para outra hora.

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A Leila escreve aqui

Gosto de olhar as estrelas e inventar um nome pra cada uma delas.