Ir buscar a lã e sair tosquiada

Amanhã vai ser o dia mais importante e assustador da minha vida. O dia 0. O dia em que, como diria a canção de Elba Ramalho, “tudo pode acontecer, inclusive nada”. E ontem eu escrevi a palavra fracassada, vocês se lembram. FRACASSADA. Soletrem comigo F R A C A S S A D A.

Tenho certeza absoluta de que nunca escrevi essa palavra antes. Ela me pareceu muito forte desde a hora em que apareceu na frase e depois ficou ecoando na minha mente e quando isso acontece eu costumo procurar um dicionário, eis o que encontrei:

(fra.cas.sa.do)

a.

1. Que foi malsucedido, que não alcançou seus objetivos (casamento fracassado, pintor fracassado).

sm.

2. Pessoa que não logrou êxito profissional, afetivo ou de outra natureza: Os fracassados acabam odiando os vitoriosos.

Fiquei um pouco mais aliviada, porque não me reconheci em nenhuma das duas definições (e bem surpreendida em descobrir como se escreve malsucedido também). Eu acredito sim que tenha sido bem-sucedida (este com hífen) e atingi meus objetivos ao conquistar um trabalho novo e que o fato de ter caído em um corte geral da empresa foi um infortúnio (outro sinônimo para fracasso). E os exemplos também são péssimos, não gostei de nenhum deles!

Ainda assim eu não consegui tirar o fracasso do lugar, de certa forma aquela palavra precisava ficar ali e por isso fui consultar o dicionário analógico e as coisas começaram a fazer sentido:

304. (movimento que não atinge a meta)

732; irrealização, incompletude, atrasar-se, inatingir, ficar dentro da sua órbita, não sair da sua esfera, desencontrar

53; imperfeição

651; insuficiência

730; desvio

desaparecer, sumir-se, perder-se

Essas palavras sim, essas explicavam bem o que eu estava vivendo. Incompletude, inantigir: eu saí do trabalho antes que fizesse sentido. Foi um desvio para um caminho dos meus medos de me atrasar na corrida social, de me perder, ser esquecida pelos outros, não conseguir sair de onde eu estava antes, não conseguir chegar lá.

Munida de todo esse medo a coisa degringolou para outro desencontro, vocês se lembram? Vale a pena rebobinar a fita para o momento em que me perdi:

Então eu preciso aproveitar o privilégio de viver o drama do “tudo deu errado” pra completar a frase “se tudo der errado eu…” e saber lidar com esse novo capítulo.

O mais lógico, ou melhor, mais responsável seria voltar para o interior, economizar dinheiro e procurar um emprego que fizesse sentido pra minha carreira. Mas quem se interessaria por essa história? Eu mesma lendo o final de um capítulo assim gritaria para o papel (na verdade para o kindle) que a personagem está perdendo a grande oportunidade de se jogar em seu grande e verdadeiro sonho de ser uma escritora. E justamente agora que ela não tem mais nada a perder e está livre da expectativa de sucesso social, já que agora é uma grande fracassada!

Mãos cobrindo os olhos. Balançar de cabeça em sinal de negação. Vergonha. Fracassar também está relacionado com dar a mão a palmatória, fazer mea culpa, ir buscar a lã e sair tosquiado. Eu já voltei pro interior quando terminei a faculdade, fiz o mestrado todinho lá e foi um período muito gostoso e tranquilo da minha vida (tirando as reuniões com a orientadora). Eu não acho que encarar a minha escrita profissionalmente seja uma postura de pessoa fracassada, muito menos algo alternativo à expectativa de sucesso social.

Por isso que amanhã vai ser o dia mais assustador da minha vida. Incompletude. Inantingir. Insuficiência. Encarar minha escrita de modo profissional implica em ser a única responsável pelo meu sucesso técnico e criativo. Notem que eu escrevi “técnico” primeiro, porque escrita é isso. Não tem talento nato, não tem uma boêmia especial que faça com que uma taça de vinho se transforme magicamente em um romance. Também não vai ter uma demissão em massa que possa justificar a minha irrealização.

A partir de amanhã vai ser eu, minha técnica e uma boa história que me leve para o contrário do fracasso. Qual palavra é essa?