Este lado para cima

A Leila escreve aqui
3 min readJan 23, 2022

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Moro em uma casa vazia.

As malas de viagem ficam pra fora do armário, as molduras de fotografias estão guardadas nas caixas de mudança. Minha vida protegida em plástico bolha.

Contraditoriamente eu ocupo todo o espaço da minha casa vazia. Contraditoriamente eu compro louça nova para visitas que não quero convidar.

Moro uma casa que está sempre pronta ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ para a mudança.

Isso foi de assistir uma live da Sandy decidi que estava no estado de espírito ideal para escrever, mas isso foi quando eu ainda acreditava em musas e inspiração de artista. (Atualmente eu ainda acredito na Sandy, mas escrevo à contra-gosto quando é domingo a tarde pq não sei descansar e preciso sempre produzir algo).

Escrevi um texto e no momento de revisar percebi que eram dois. Separei os parágrafos, costureis nas emendas e pari meus textos gêmeos. O outro que morreu dentro do útero era assim:

Para todos os matches que me faltam

Há algum tempo eu venho repetindo a mesma frase, o mesmo mantra: “me sinto apaixonada, mas não sei por quem”. As notificações sobem e descem, os sorrisos passam da esquerda pra direita no canto da minha boca, mas a paixão mesmo não vem. Esse sentimento me ronda, eu sinto nas músicas, nos suspiros que não tem nome e principalmente quando olho pela janela esperando que alguma outra janela esteja me olhando de volta.

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Às vezes, enquanto caminho com óculos embaçados, eu começo a montar um quebra-cabeças romântico misturando as peças de segredos que todo mundo sabe com as cenas mais bonitas que já vivi, os prints que já salvei com memórias de um futuro de mãos dadas e os áudios que não mandei com o desejo de sentir saudades.

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E quando eu termino de encaixar a última peça, o tabuleiro me mostra um sentimento sem rosto. Me sinto apaixonada, mas não sei por quem.

Depois eu recuperei o gêmeo que amava mais em uma aula de outro curso de escrita promovido pelo Mulheres que Escrevem e o processo foi mais ou menos esse: nós deveríamos pegar algum poema do repertório apresentado pela professora e criar um diálogo com ele. Vocês vão entender pq me lembrei desse texto assim que lerem a referência.

montagem ou F for fake

(poema diálogo com Marília Garcia)

13.

Quando eu comecei a escrever eu estava

empacotando meus livros

eu sempre começo empacotando meus livros

eu fiquei um mês empacotando meus livros

até eu saber que eu nunca levei tudo comigo

eu não tinha entendido que querer

estar lá onde não estou

e com quem não estou

é deixar algumas coisas para trás

deixar para trás não é a mesma coisa que apagar

Olívia Gutierrez em estar onde não estou — Editora Crivo, 2018

Texto que publiquei em novembro de 2020

A casa está vazia, pq não paro nela. As malas de viagem estão sempre pra fora do armário, as molduras de fotografias ainda estão guardadas nas caixas de mudança. Minha vida protegida em plástico bolha. Contraditoriamente eu existo da porta pra fora.

Contraditoriamente eu ocupo toda a minha casa vazia. Contraditoriamente eu arrumo louça nova para visitas que não quero convidar.

O último que eu deixei entrar fica sentado na porta com a chave na mão e de vez em quando se encosta no batente pra não atrapalhar a passagem. O último que eu mandei embora volta e meia reaparece com cara de quem perdeu o rumo, me obrigando ao constrangimento de fechar portas e janelas: casa vazia não recebe visitas.

E quem for esperto que pule o muro.

Nas edições eu descartei os parágrafos finais pq eles falavam mais sobre mim do que caberia em um texto (e eu vou sempre andar nessa corda-bamba). E me senti à vontade para brincar com a formatação também.

Espero que tenham gostado dessa viagem, nos falamos na próxima.

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Gosto de olhar as estrelas e inventar um nome pra cada uma delas.

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