Clara não se lembra como dirigir

Escolha um dia nublado e de temperatura amena. Os dias de chuva são azarados pela própria natureza e os de sol trazem otimismo demais. E nós precisaremos da concentração e parcimônia dos dias nublados.

Dê a volta por todo o carro e confira se os pneus estão redondinhos e cabeludos feito um kiwi, se eles estiverem cabeludos feito um pêssego é pq você está dando uma voltinha na barraca da feira, então volte para o carro.

Agora estamos dentro do carro. Olhe em todos os espelhos e reflita sobre os ajustes necessários: altura e distância do banco para o volante e pedais. Sem metáforas dessa vez, falo no concreto.

Coloque os cintos de segurança e avise aos passageiros para fazerem o mesmo. Se não tiver um passageiro chame o vizinho de co-piloto e lhe dê uma medalha de honra ao mérito para garantir um bom desempenho de seu novo papel.

Atenção! Essa é a parte mais importante da checagem: procure em algum dicionário especializado o nome daquela coisa que troca as marchas. Em seguida, puxe-a para cima e tenha certeza de que ela não sairá na tua mão enquanto estiver dirigindo. Se isso acontecer será fundamental lembrar o nome da coisa para alertar aos passageiros que ela saiu na sua mão.

Por fim, conte o número de pedais. Dois pedais? Bicicleta, volte todas as etapas e encontre o carro novamente.

Coloque a chave do carro na ignição, gire um pouquinho para ver as luzes do painel se acenderem e faça uma oração à Ford. Gire mais um pouquinho, ouça o motor e o telefone tocando dentro de casa. Nesse momento aproveite que chamou o vizinho e peça a ele que atenda ao telefone e confira se o gás do fogão está desligado.

Antes de sair, dê a seta. Na dúvida vá pela esquerda e verifique se o Ciro Gomes não se encontra neste andar, caso o encontre siga pela outra esquerda.

Não ligue o rádio ainda para não distrair seus sentidos, agora é tudo questão de feeling, sentir o carro, ser o carro. Respire fundo e repita o som do universo: Vrohmmmm Bi-bi

Pise fundo na embreagem (é o pedal mais de lá, você vai sentir). Vire todo o volante para a esquerda (não a do Ciro). Pise devagarinho no acelerador enquanto solta suavecito da embreagem, sinta o momento, sinta o carro.

Seja o momento, seja o carro. Você já está dirigindo.

Obs.: Caso queira uma segunda opinião, vá até algum lugar no bairro da Vila Mariana em São Paulo. Ali você encontrará um carro abandonado e dentro dele há um cartaz dizendo “este carro não está abandonado, ligue para o número abaixo e te conto a história”. (É uma pena que eu não tenha tirado foto desse acidente poético também, então vou ter que te devolver uma memória e você leva de brinde essa outra perdida pra equilibrar o cosmos).

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Exercício do curso Esboço, Processo e Desembaraço: Como voltar a escrever que fiz na Escola de Escrita em 2021.

A tarefa consistia em compartilhar memórias perdidas que deveriam ser recuperadas por colegas da turma.

Escolhi recuperar a memória da Clara sobre como dirigir, pois eu mesma não sei. Apesar de já ter feito inscrição em quatro autoescolas diferentes.